A tarde corre sorrateira, enquanto as pessoas, submetidas ao
império do calor, ruminam vagarosamente o resto de domingo. Amanhã, a vida
espera-as com uma faca afiada, pronta para ser cravada nas costas dos mais incautos.
Não fará sangue, mas não faltarão dores em corações trespassados. Afasto estes
pensamentos, e concentro-me no medrar das sombras. Desprendem-se dos prédios,
das árvores, de qualquer paliçada que separe um território de outro. Algumas
pessoas passam. Vão vagarosas, como se estivessem a chegar de uma longa
jornada. Uma mulher ajeita o cabelo, um cão alça a perna junto ao tronco de uma
árvore e a vida desliza. Ao longe, o ronco de uma moto. Ténue, mas logo aumenta
dentro dos meus ouvidos, como se o grande desígnio fosse ensurdecer-me. A
cidade murmura irritadiça. Em segredo, o poente adolesce, anunciando
uma trégua passageira.