Desembrulho devagar a sexta-feira, mas ela teima em
contrariar-me a lentidão, apressada em chegar ao fim-de-semana. O telhado do
pavilhão desportivo da escola ao lado reverbera, batido por um sol desavindo
com a estação. Mais ao longe o pequeno bosque de cedros é já um pasto de
sombras, ocupado pelos rebanhos da noite. Irrito-me com esta propensão para a
metáfora fácil. Tivesse eu mão em mim e impor-me-ia uma escrita rasa, sem o pathos do desvio. Barulhos metálicos,
como se escravos acorrentados arrastassem os pés pela calçada, chegam até mim. Rugosos,
crus, quase acastanhados. Também devia evitar as sinestesias. Agora um momento
de silêncio abriu o caminho por entre os rumores do mundo. Toco-lhe, sinto-lhe
a transparência e recosto-me na cadeira à espera que uma revoada de anjos passe
no céu. Pensei expulsar a humanidade destes textos, mas não posso deixar de
referir o nome de Dharmottara, um filósofo budista que viveu no século oitavo
em Caxemira. O que ele pensou não vem ao caso, mas lembrei-me da veneração que
havia pela lã de caxemira e é essa recordação que contemplo. Tenho em mim
muitas memórias que não servem para nada e são essas que cultivo para minha
perdição. A que mais me espanta é a do vento a soprar defronte da escola onde
aprendi a ler. Em nenhum outro lugar ele sopra assim. Tenho um rol não pequeno
de tarefas para executar. O baloiço do parque voltou a ranger e eu ranjo com
ele, irmanados na falta de sentido que nos anima.
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