Recebo dois vídeos no telemóvel. O meu neto, do alto dos dezasseis
meses, exibe-se para um público restrito ampliado pela câmara de telemóvel. Faz
grandes discursos, mas fala numa língua que deixei de perceber há muitas
décadas. Quem sabe se os discurso que fiz nos meus dezasseis meses não foram os
mais sensatos e profundos de toda a minha vida. Talvez nesse tempo designasse
as coisas pelo verdadeiro nome delas e que, com a aprendizagem da língua, começasse
a falhar irremediavelmente a nomeação do mundo. Hoje levantei-me cedo. O dia
nascia enfastiado e assim foi crescendo. Agora que atingiu a maioridade não
apresenta melhoras. Progride com tédio, faz umas caretas de nojo, suspira
maçado. Tento entabular conversa com ele, mas ignora-me e prossegue o seu
caminho tomado pela náusea e má educação. Um existencialista da rive gauche. Oiço um bater de asas e
volto-me. É um pombo. Nos campos ao longe avisto ciprestes. Distribuem-se ao
acaso. Dizem que são memórias que ficaram de umas escaramuças havidas por aqui aquando
das invasões francesas. Chegam a durar mil anos, descubro em pesquisa rápida. Consola-me
a existência destes seres que ultrapassam a medida humana, sem que ostentem
sobranceria nem sejam dados a chamar a
atenção para si. Crescem em silêncio e contenção. Espera-me mais uma
vídeo-reunião. Colecciono-as e não tarda serei especialista. Hoje é
segunda-feira, dia trinta de Março. O mundo encolhe, enquanto os meus olhos se
esforçam por alargar o horizonte. Começo a ficar cansado de conviver comigo.
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