Abri a janela e com o ar entra também o canto dos pássaros e
o bulício do mundo. Oiço a voz alteada de uma criança já em pré-adolescência,
mas não percebo o que diz. Respiro lentamente para sorver o ar renovado. Nestes
dias não faltam profetas do apocalipse, detectives que revelam as mais
tenebrosas conspirações, analistas que desenham futuros que nos esmagarão como
mosquitos. Podia ter evitado a comparação e optado por um enunciado metafórico,
mas não devo esgotar rapidamente o stock
retórico, a espera parece prolongada. Também não faltam idiotas, que aliás se
confundem com as várias classes enunciadas ou os que lhes mimam as teorias. Eu
não descobri nenhum segredo, não me foi dada visão de raio-X que equipa esses
extraordinários super-homens. Tenho, porém, a vantagem sobre eles de não ser
afectado pela Kryptonite, embora isso não me proteja de nada. Os vidros
dos carros estacionados no hospital reverberam, enviam mensagens luminosas mas
não há quem as saiba decifrar. Numa das leitura que fiz ontem, um filósofo francês
referia que tudo é símbolo e logo a minha mente, perdida nos arcanos da
volubilidade, chama por Baudelaire e põe-se a declamar La Nature est un temple où de vivants piliers / Laissent parfois sortir
de confuses paroles ; / L’homme y passe à travers des forêts de symboles /
Qui l’observent avec des regards familiers. Ponho fim ao soneto e volto a
mim, mas sinto a saudade de certos olhares familiares. Penso neles e sorrio. À
minha frente estão tarefas a realizar e olho para elas com inusitada
benevolência. Ligam-me ao mundo, mesmo que esse não seja o melhor dos mundos
possíveis. Hoje é quinta-feira, dia 19 de Março. É dia do pai e lembro-me do
meu, de como gostaria de falar com ele sobre tudo isto ou sobre nada.
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