Mantenho os hábitos instalados. Não sei, porém, quanto tempo
as rotinas resistirão ou se uma nova normalidade virá tomar conta dos dias para
lhes dar uma aparência de sentido. Oiço o ruído de um corta-relvas. Levanto-me
e confirmo aquilo que oiço, há alguém a aparar a relva da praceta. A partir de
agora talvez precisemos de uma nova forma de verificação da realidade. Não
basta que uma coisa soe para que ela exista. É preciso vê-la. E nada garante
que esta dupla verificação esteja correcta, embora seja um pouco mais difícil, apenas
um pouco, que se seja vítima ao mesmo tempo de ilusões sonoras e alucinações
visuais. Na minha secretária amontoam-se papéis. Ordeno-os e nisso há um prazer
específico, pois toda a classificação é um começo de vitória sobre o caos, e
vitórias é aquilo que as pessoas mais precisam. Desenho estratégias para manter
a sanidade e as actividades correntes a correr. Oiço vozes e vou à janela. Três
homens confraternizam, fumam, mantêm uma quase distância. Um casal que conheço
bem, ambos entrados na casa dos oitenta, passeia devagar, ela amparada por uma
bengala e pelo braço dele, ele direito como se dissesse podes confiar em mim.
Partilham o peso da solidão e a ameaça que parece tudo rodear sem alterar rotinas.
Ao vê-los lembro-me de uma canção de Brel que começa assim Quando on a que l’amour / A s’offrir en partage / Au jour du grande
voyage / Qu’est notre grand amour. Já pouca gente sabe francês, lembro-me,
e sinto uma estranha saudade dos tempos em que descobri a música de Brel. Então
recorro ao Youtube e escuto a canção.
Contrariamente à minha natureza, pouco dada a manifestações sentimentais,
acompanho-a e canto em surdina Quando on
a que l’amour / A s’offrir en partage / Au jour du grande voyage / Qu’est notre
grand amour. Depois, paro e deixo que a canção se escoe e olho para mim
atónito. Hoje é quarta-feira, dia dezoito de Março. Escrevo o nome do mês com
maiúscula e esse pequeno prazer ortográfico contenta-me.
Uma língua bem mais bonita que o Inglês, só superada pelo Italiano.
ResponderEliminar~CC~
O Frederico Lourenço decidiu ensinar Latim no facebook e começa assim a primeira lição: "Vou partilhar um segredo convosco. A beleza absoluta existe. É a língua latina." O italianos estará mais próximo, depois o francês e alguma beleza há-de chegar ao português.
EliminarHV
Completamente de acordo com o Frederico Lourenço, agora que até já activei o FB há uma década desligado, hei-de espreitar o dele.
Eliminar~CC~
Trata-se da página "Latim do zero - Página de Frederico Lourenço para a aprendizagem do Latim".
EliminarA única coisa necessária para acompanhar é ter a gramática que ele publicou.
HV
Gostei de saber que o HV teve um dia cheio de prazeres:
ResponderEliminar- Prazer de arrumar papéis
- Prazer de ouvir Brel
- Prazer ortográfico
Que amanhã seja um dia ainda melhor :)
🌻
Maria
P.S. Fui ouvir o Brel, também cresci a ouvir os franceses...
Ou pelo menos que não seja pior. Desejar isso já é um grande desejo. E ouvir Brel faz sempre bem ouvir.
EliminarQue amanhã seja um bom dia, para si.
HV