Não vejo razão para dar ao dia de hoje o nome de sábado ou outro. Recordo-me de imediato que não haverá para qualquer coisa que seja razão para lhe dar o nome que tem ou tão pouco denominá-la de forma diferente. Afasto estes pensamentos penumbrosos para não me afogar num oceano de contradições, agora que faço parte de um imenso arquipélago, cujas ilhas deixaram de ter modo de se ligarem. Fui a uma das varandas, onde havia sol. O ar era frio e um vento irritante batia-me de frente, trazia-me notícias que não consegui ler. Sim, há um livro da natureza cheio de mensagens, mas estão de tal modo cifradas que não sei descodificá-las. Galileu, a quem por vezes se atribui o cunhar da designação, julgava que esse livro estava escrito em caracteres matemáticos, mas outros antes dele, na obscura Idade Média, criaram livros da natureza, onde esta se descrevia em latim. Não sei porque me ocorrem estas coisas, embora esteja habituado a que me ocorram muitas coisas que não interessam para nada nem a ninguém. Não sei que impulso me moveu, pus-me a escutar Canto Gregoriano e logo me imaginei como um monge que leva a vida entre a cela e o lugar de culto, onde canta um Ofício de Trevas, nestes dias em que todos eles são Sextas-feiras de Paixão. Escrito isto, rio-me. O espírito hiperbólico voltou-me, como se fosse a anunciação da normalidade. Não o é. Olho para a rua e fico fascinado com o verde cinzento da folhagem das oliveiras que, na escola ao lado, foram deixadas vivas como testemunho do passado. O sol ilumina-as, desenha nelas paisagens fantasmagóricas a que o vento incita à mobilidade, numa cadência incerta, hesitante. Hoje é sábado, dia 28 de Março. Oiço vozes na praceta aqui em baixo. Depois calam-se, e apenas o canto dos pássaros vem da rua. Os monges continuam os seus cânticos pascais e a tarde progride indiferente por dentro das paredes translúcidas do dia.
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