Olho à minha volta e observo com demora as dezenas de livros
que comprei nos últimos tempos. Há neles uma ameaça demasiado grande para ser
ignorada. Entre o desejo que me levou a comprá-los e a possibilidade física de
os ler vai uma distância tão grande que não tenho qualquer possibilidade de a
percorrer. Há quem defenda a teoria de que perante uma vida sempre demasiado
curta só se deva ler os clássicos, aqueles que o tempo canonizou.
Racionalmente, parece-me uma boa ideia, mas entre a razão e o desejo há uma
distância infinita. Por vezes, faço planos para ler aqueles romancistas
portugueses que ninguém lê, os esquecidos do cânone ou então os filósofos que o
tempo derrotou. Assim, levado pelo pela incongruência do desejo, vou comprando
livros, empilhando-os conforme posso. O que em mim me espanta é esta capacidade
para a dissipação, o cultivo de objectivos que nem ao diabo lembrariam, o poder
de escolher sempre aquilo que não deveria escolher. Há em tudo isto uma
libertinagem que não augura nada de bom ou sequer de remediável. Bem me
avisaram que o desejo era mau conselheiro e pior que as tentações era não lhes
resistir. Haverá alguém que leia O Prato
d’Arroz Doce, de Teixeira de Vasconcellos, ou Memórias d’um Doido, de Lopes de Mendonça? Haverá alguém que saiba
quem são os autores? Não, claro que não, mas esses romances repousam na minha
secretária, como se chamassem por um derradeiro leitor e eu, suficientemente
doido ou amante de arroz doce, existisse para lhes cumprir a última vontade. Tenho
de ter uma paciência infinita para aturar estas idiossincrasias.
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