Cheguei aqui já a noite tinha descido em turbilhão sobre mais
um dia em que a excepção se torna a norma. Nestas situações, à falta de
experiência, recorre-se ao que se tem à mão para lhes dar um sentido. Muitos
lembram A Peste, de Albert Camus.
Outros não deixam de recordar o Decameron, de
Giovanni Boccaccio. Ainda hoje havia quem referisse um conto de Edgar Allan
Poe. A mim ocorre-me A Montanha Mágica, de
Thomas Mann. Em todos eles vemos a excepção tornar-se a vida habitual. Apesar
de difícil, será uma aprendizagem rápida, embora a lógica destas coisas tenha
uma inclinação para nos escapar, mesmo aos que possuem uma armadura racional
mais poderosa. Há pouco parei uns instantes diante do friso das orquídeas.
Estão esplendorosas e indiferentes ao que inquieta os humanos, enchem o espaço
com a subtil emanação da beleza, como se ela fosse a mensageira da esperança.
Nem todas floriram ainda, reparei, depois voltei-lhes as costas e vim
sentar-me, a pensar no que tenho de fazer, no que tenho de cuidar. A verdade é
que nos disseram que o paraíso não era aqui, mas noutro lugar de onde fomos
expulsos, mas não acreditámos. Imaginámos, contra todas as evidências, que poderia
nascer neste mundo e pelas nossas mãos, o que suscitou um não pequeno número de
teologias, de incontáveis homilias e de legiões de mensageiros do admirável
mundo que estaria à nossa espera. Depois um qualquer incidente recorda-nos o
outro lado da história, aquele que nos diz que este é um lugar de exílio.
Encolho os ombros e digo entre dentes a cada um a sua metáfora. No telemóvel
surge uma mensagem. É uma fotografia do meu neto de chapéu na cabeça. Quer vir
para a província, pensei.
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