Anúncio do Verão. A temperatura chegará por aqui aos vinte e
nove graus. O inferno insinua-se ainda a estação fria olha para o deve e haver
e faz o balanço final, antes de entregar a contabilidade nas mãos da Primavera.
Os últimos dias deixaram-me a cabeça mais vazia do que o habitual. Uma
descoberta já não recente ensinou-me que quando lidamos com o vazio tornamo-nos
como ele. O nada contamina a realidade e fá-la explodir. Com os anos fui
descobrindo que a nulidade é uma divindade poderosa e tem ao seu serviço um
sacerdócio persistente, auxiliado por janízaros impiedosos. São pagos para
destruir tudo o que faça sentido e instituir a nova ordem onde nada existirá.
Continuo a falar por enigmas e isto não é sinal de sanidade mental. Daqui a
pouco irei para a rua e não sei se hei-de fingir-me no Inverno rigoroso ou se
cedo à tentação estival. A cidade estará ensolarada e no sítio onde me esperam
haverá sacerdotes do deus do vazio, perdidos em liturgias que só o demónio
poderia ter inventado. O hospital ergue-se sombrio, as paredes maculadas por
fungos, um bloco preso à terra para me roubar a vista dos campos. Desvio o
olhar e vejo ao longe a serrania e penso que nunca sabemos para o que estamos
votados.
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