O encontro com a balança no pós-férias não foi particularmente penoso, apenas quinhentos gramas mais do que antes desse período fantasioso, no qual se alimentam quimeras como a possibilidade de as coisas não serem o que são. As férias estão para os nossos dias como o Carnaval estava para a Idade Média. Li que, então, era também conhecido como Festa dos Loucos. Era uma despedida dos prazeres da carne, a que se seguiria o tempo quaresmal. As férias de hoje são, mutatis mutandis, a mesma coisa. Não se trata tanto da questão da carne, mas da irrealidade. Uma das origens possíveis do Carnaval encontra-se na Babilónia e é um testemunho eloquente daquilo que nós, seres humanos, somos ou também somos. Nas Saceias – uma festa – um prisioneiro assumia durante alguns dias o papel de Rei. Vestia como ele, comia como ele e dormia com as suas mulheres. Enfim, um admirável mundo novo. Passadas as festividades, era espancado e executado. Fala-se em enforcamento, mas também em empalamento. Tudo tem um preço, dir-se-á. À irrealidade do reinado daqueles dias, seguia-se a dura realidade. As férias não me anularam a inclinação para a insónia. Esta noite, deu-me a possibilidade de ler um quarto do romance de Michel Houellebecq, Serotonina. A humanidade não sai lá muito bem tratada, mas o que seria de esperar quando se fala de uma espécie que concede uns dias de ilusão para, logo de seguida, supliciar até à morte o beneficiário dessa fantasia?
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