sábado, 10 de setembro de 2022

Sebastianismo

Um terço de Setembro já foi consumido pelas chamas do tempo. A metáfora não será brilhante, mas não deixa de ser quente. Por outro lado, talvez aquilo que se aproxime mais da inexorabilidade da marcha do tempo seja a dos incêndios. Leio o romance O Reino Encantado, de Mário Ventura. Há qualquer coisa nele que me irrita. O reino encantado seria uma referência a acontecimentos ocorridos no Brasil com uma seita sebastianista. O escritor lera uma referência ao assunto no livro de João Lúcio d’Azevedo, A Evolução do Sebastianismo, provavelmente na mesma edição que eu tinha, a da Editorial Presença, publicada em 1984. O livro é de 1918, editado pela Livraria Clássica Editora de A. M. Teixeira. Procurei o meu exemplar, mas perdeu-se numa das voltas da vida. Acedi a um pdf da obra, na Archive.org. A cópia é a de um exemplar que foi comprado em 4 de Dezembro de 1918, por alguém com os apelidos Freitas Veloso. Data e assinatura constam numa das primeiras páginas onde apenas se encontra o título da obra. É plausível que a obra tenha pertencido, depois, a uma outra pessoa, pois na mesma página encontra-se uma assinatura de alguém com nome próprio Manuel e com um apelido ilegível. Debaixo desta assinatura não consta qualquer data. Como é que este exemplar foi parar à Universidade de Toronto, à Robarts Library, não faço ideia. O certo é que foi lá digitalizado e, depois, cedido à Archive.org. As referências de Azevedo aos acontecimentos em Pernambuco são escassos, uma página e mais três linhas de outra. Cito uma pequena passagem para mostrar aquilo que terá atraído Mário Ventura: O embusteiro sanguinário, que capitaneava esses energúmenos, logrou convencê-los de que por sacrifícios humanos se alcançaria desencantar o monarca, e que as vítimas ressuscitariam com êle, para participarem dos tesouros que ao seu povo então distribuiria. O romance, pelo menos nos 3/5 que já li, trata do trabalho do escritor na busca de informação fidedigna dos acontecimentos (1818 e 1836) que envolveram duas seitas sebastianistas. Numa entrevista a um jornal, na altura da publicação do romance (2005), o autor refere que queria mostrar a carpintaria do romancista. Ora numa bela cadeira, o que apreciamos é a cadeira e não o trabalho que a produziu e é isto que me está a irritar, estar perante um romance sobre fazer um romance, melhor, sobre a recolha de materiais para fazer um romance. A irritação, porém, não é suficiente para pôr o livro de lado.

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