Pudesse eu começar este texto com uma metáfora, nem teria de ser bela ou reveladora de um mistério, e tudo deslizaria melhor nesta segunda-feira, que ressuma luz branca e entediada pelos poros dessa pele agreste que cobre o corpo dos dias. Imagino, por vezes, que não passo de uma metáfora, de algo que está no lugar de qualquer outra coisa, mas nunca consigo saber que coisa é essa. Já tentei a análise da corrente de consciência e a prática activa da reminiscência, mas tudo foi em vão. Ocorre-me que cada ser humano é um palimpsesto, que cada eu só é possível porque um eu anterior foi raspado, apagado, para que uma nova reutilização dos materiais desse origem a alguém que se achará pura individualidade, um ser inédito e inigualável. Esquecemos, ou não queremos saber, que não passamos de material reciclado. Quando era novo, li bastante Camus e algum Sartre mais nauseado. Hoje penso que eles foram a placenta através da qual, naqueles dias, um certo olhar desconfiado sobre o mundo se alimentou. Tinha o dia de hoje todo programado, mas bem cedo a desprogramação cravou as garras no meu dia e aquilo que era um cosmos idealizado tornou-se um pequeno caos. Imagino que alguém dirá que a vida é isso. Será.
A ideia de a vida ser eterna rasura é bem mais interessante do que a de ser eterna tatuagem. Camus e Sartre, dois Citroens: um dois cv e um boca de sapo. Se tivesse de pedir boleia adoraria viajar com o primeiro.
ResponderEliminarDe facto, tatuagens é uma coisa que me custa compreender, mas já não terei idade para isso.
ResponderEliminarUm modesto palimpsesto em queda livre: Nöel, Jöel e Citröen.
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