sábado, 17 de setembro de 2022

Vulcões extintos

O meu primeiro contacto com ela, a escritora austríaca Ingeborg Bachmann, foi através de uma recolha de poemas a que foi dado o magnífico título de O Tempo Aprazado, nome de um dos livros da autora. Foi amor à primeira vista. Li tantas vezes aquela pequena edição bilingue, da responsabilidade de João Barrento e Judite Berkemeier, que as páginas se soltaram uma a uma. Ingeborg Bachmann nasceu em 1926 e morreu em 1973. Conheci-a bem depois de estar morta, mas não é possível uma pessoa não se apaixonar quando lê poemas que, mesmo depois de traduzidos, ainda ficam assim: Para onde quer que nos voltemos na tempestade de rosas, / a noite ilumina-se de espinhos, e o trovão / da folhagem, antes tão leve nos arbustos, / segue-nos agora de perto. // Onde quer que se apague o incêndio das rosas, / a chuva inunda-nos o rio. Oh, noite tão distante! / Mas uma folha que nos encontrou é levada pelas ondas / e segue-nos até à foz. Ou então a sonoridade alemã da primeira quadra do poema ‘Fall ab, Herz’: Fall ab, Herz, vom Baum der Zeit / fallt, ihr Blätter, aus den erkalteten Ästen / die einst die Sonne umarmt’ / fallt, wie Tränen fallen aus dem geweiteten Aug! Li todos estes poemas em alemão, sem compreender a generalidade das palavras, li-os a meia voz, tentando aproximar-me da sonoridade germânica, deixando-me envolver pela musicalidade que desse alemão, por certo mal pronunciado, se desprendia. Tudo isto era possível porque a poesia antes de ser sentido é som, música. A poesia é música que adquire sentido. Depois, há a beleza desse primeiro verso que em português fica assim: Desprende-te, coração, da árvore do tempo. Tudo isto vem a propósito de ter comprado, há pouco, Malina um romance de Ingeborg Bachmann, publicado em português, em Junho deste ano, pela Antígona. Esta editora, com o seu catálogo, entrou para o top três das minhas editoras preferidas. Além dela, estão a Cavalo de Ferro e a Relógio d’Água. Para acabar a minha diatribe, os três primeiros versos do poema ‘Canções de uma Ilha’: Tombam frutos de sombra das paredes, / o luar caia a casa, e o vento / que vem do mar traz cinzas de vulcões extintos. É o que todos somos, vulcões extintos.

3 comentários:

  1. Venho aqui beber como num oásis, mas apenas, e só, matar a sede.

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    1. Deus fez-me tropeçar, e bem. Falta ali qualquer coisa no oásis, mas não, não de certeza, uma orquídea.

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  2. Quando se tem sede, nada melhor do que matar a sede.

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