domingo, 17 de setembro de 2023

Domingo

Gosto destes dias de chuva, cada vez mais raros, de fim de Verão. Somos devolvidos a um mundo mais sério e autêntico, marcado pelo cheiro da terra molhada. O Verão é um tempo fantasioso, apesar do calor funesto. Agora, o Sol brilha, mas há pouco chovia intensamente. Não tarda, o Sol será ocultado por densas barreiras de nuvens escuras e a água cairá mais uma vez dos céus para fecundar a terra, numa manifestação da virilidade celestial e da feminilidade terrestre. O masculino e o feminino, em mitos de muitas tradições, tinham uma função ordenadora da realidade. O homem e a mulher eram apenas uma manifestação dessa estrutura que organizava o mundo e lhe fornecia um princípio de compreensão. Talvez porque vivamos numa época desencantada, onde o mito parece moribundo, o masculino e o feminino perderam não apenas a sua função estrutural, mas também a evidência com que se manifestavam. Este, porém, é um assunto que caiu no alçapão do debate ideológico e foi capturado pela política, o que o exclui deste espaço, onde um narrador dedicado cumpre as ordens de um autor que decidiu rasurar esse assunto que tanto ocupava o ócio dos cidadãos gregos. Descubro, não sem surpresa, algumas folhas amarelas nas acácias da praceta. Vêm muito mais cedo do que o habitual. O chão molhado do campo de jogos da escola aqui ao lado reverbera. Na rua, não passa ninguém. É domingo e a vida parece suspensa. Ah passa um carro, vagaroso e tímido. Não tarda, recomeça a chover.

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