Gosto destes dias de chuva,
cada vez mais raros, de fim de Verão. Somos devolvidos a um mundo mais sério e
autêntico, marcado pelo cheiro da terra molhada. O Verão é um tempo fantasioso,
apesar do calor funesto. Agora, o Sol brilha, mas há pouco chovia intensamente.
Não tarda, o Sol será ocultado por densas barreiras de nuvens escuras e a água
cairá mais uma vez dos céus para fecundar a terra, numa manifestação da
virilidade celestial e da feminilidade terrestre. O masculino e o feminino, em mitos
de muitas tradições, tinham uma função ordenadora da realidade. O homem e a
mulher eram apenas uma manifestação dessa estrutura que organizava o mundo e
lhe fornecia um princípio de compreensão. Talvez porque vivamos numa época desencantada,
onde o mito parece moribundo, o masculino e o feminino perderam não apenas a
sua função estrutural, mas também a evidência com que se manifestavam. Este,
porém, é um assunto que caiu no alçapão do debate ideológico e foi capturado
pela política, o que o exclui deste espaço, onde um narrador dedicado cumpre as
ordens de um autor que decidiu rasurar esse assunto que tanto ocupava o ócio dos
cidadãos gregos. Descubro, não sem surpresa, algumas folhas amarelas nas
acácias da praceta. Vêm muito mais cedo do que o habitual. O chão molhado do
campo de jogos da escola aqui ao lado reverbera. Na rua, não passa ninguém. É
domingo e a vida parece suspensa. Ah passa um carro, vagaroso e tímido. Não
tarda, recomeça a chover.
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