terça-feira, 26 de setembro de 2023

O lugar da decisão

Começar com uma citação não é o melhor dos começos, embora seja um possível. O desfecho de uma batalha, diz Müller, decide-se na cabeça dos que nela participam. Quem o escreveu foi Alexander Kluge. Perante a afirmação sinto alguma perplexidade, que se pode traduzir por perguntas. Exactamente, em que parte da cabeça se decide o desfecho de um acontecimento? E quando, como em certas batalhas, estão dezenas ou centenas de milhares de cabeças, qual a percentagem da cabeças que contribuem para um desfecho e qual a percentagem para o desfecho contrário? Uma pergunta mais insidiosa seria a seguinte: não será nos intestinos que o desfecho de uma batalha se decide, sendo a cabeça o sítio onde os intestinos manifestam a sua decisão? Por certo, também haverá quem ache que o desfecho de uma batalha se decide no coração dos combatentes, enquanto outros acharão que é nas gónadas, uso este termo por ser mais inclusivo. Não há nada melhor que a proliferação das possibilidades, provavelmente, todas falsas. Ora, o facto de se nadar em conjecturas falsas não impede que a vida decorra. Não causava qualquer obstáculo ao desenrolar das existências a crença de que a Terra era o centro do Cosmos. Era falso, mas a falsidade não interferia na felicidade ou infelicidade das pessoas. Resta uma magna questão: onde se decidirá a batalha que travo neste instante contra o sono?

5 comentários:

  1. Para mim, não há qualquer dúvida: ao crânio é o cofre-forte e o abdómen, o lavabo social. A anatomia soube muito bem proteger o que é mais importante.

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    1. Não sei se um cofre-forte será o lugar mais indicado para tomar decisões.

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    2. Não é, certamente, mas é-o para as proteger e engendrar. Repare no que acontece desde a cabeça até à pelvis: cérebro protegido pelos ossos do crânio solidamente soldados entre si; medula espinhal que corre entre vértebras, como na muralha da China; tórax em que as costelas protegem como uma armadura (potencialmente fatal, mas necessária, o coração e os pulmões, que precisam de se expandir, mas deixam zonas vulneráveis entre as costelas; fígado, parcialmente protegido pelo arco costal; e acabou, por agora, porque, os intestinos, não têm protecção, a não ser muscular; depois temos a cavidade pélvica, onde se abriga a bexiga e a parte descendente do intestino. Os rins, órgãos essenciais vivem atrás e têm a empena dos fortes músculos lombares a protegê-los.
      Se isto não é genial, de cima abaixo, esta noite recuso-me a dormir.

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    3. Um advogado do diabo diria que parecer genial, parece, mas não passa de uma aparência. E as células que se descontrolam e perdem o tino? E a fragilidade perante vírus e bactérias? Isto para não falar de que em muitos cofres-fortes se abriga e protege o que há de mais insensato e nefasto ao cimo da terra. Julgo não valer a pena perder o sono por causa disso, mas o trabalho do génio parece precisar de francas melhorias. Isto, porém, era o que diria o advogado do diabo.

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    4. É claro que qualquer casa pode abrigar um assassino ou um inimigo microscópico, muito embora o arquitecto tenha sido genial.

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