Tudo tem um tempo. Findo este, tentar prolongá-lo torna o prolongador não apenas insensato, mas também ridículo. Uma consulta, na capital de distrito, antes de almoço. Outra, na capital do antigo reino, depois de almoço. A conjugação das duas levou à supressão do almoço. De retorno a casa, sem almoçar tive a estulta ideia de uma rapaziada. Que tal uma sandes de leitão, ali mesmo à saída da auto-estrada? Se bem o pensei, melhor o executei. Na altura, tudo me pareceu perfeito. Depois descobri o ridículo de um narrador a quem retiraram a vesícula, a biliar, crer que tinha direito a certo tipo de rapaziadas. Não tem. Resume-se nesta experiência trivial todo o drama metafísico da finitude do homem, a tensão entre um desejo infinito – nem que seja de uma sandes de leitão, num dia sem almoço – e os limites de um corpo. Salvou-me o dia a pontualidade dos médicos, eu que tantas vezes sublinho a sua tendência para os mais inexplicáveis atrasos. Como castigo, além da caminhada, embora lenta, que já fiz, eximo-me à tarefa de jantar. Entrego-me, como penitência, ao jejum, embora a Quaresma ainda venha longe, mas já ninguém jejua na Quaresma. Agora jejua-se não por amor a Deus, mas por amor à forma física, isto é, por amor a si mesmo. Temo que o meu próximo jejum se inscreva nesta última categoria. Também é verdade que quem quer conquistar a glória do altar não se torna narrador e não se põe a escrever sobre coisas sem nexo, o que, segundo a crença de Einstein, não é particularmente bem vista por Deus, o qual, di-lo o eminente físico alemão, não joga aos dados e muito menos à roleta russa, acrescento eu.
*O poeta é um animal longo
ResponderEliminardesde a infância*
Luiza Neto Jorge / Outra Genealogia
Poesia / Assírio & Alvim
O que diriam a isto os Bouvard & Pécuchet (que eu saiba nunca se dedicaram à poesia, pelo menos até onde li).
E ainda bem, seria desastroso.
Talvez 'poeta', nesse poema, seja uma metonímia, em que se toma a parte (o poeta) pelo todo (a humanidade), pois todos os homens se alongam desde a - ou a partir da - infância.
EliminarPensar é terrível.
EliminarEm vez de pensar onde, deveria ter escrito aonde (já me fizeram esse reparo), porém, aonde, não é mesmo nada poético.
ResponderEliminarEm *Um Quarto com vista sobre a Cidade*, ficamos a saber que devemos dar uma forte dentada numa sandes de leitão.
ResponderEliminarTenha uma boa noite, senhor Peregrinatio.
Pronto, sabendo que tem sentido de humor, corrijo: Quarto com vista sobre a idade.
ResponderEliminarTenha cuidado, Sr. Peregrinatio
ResponderEliminarNão vão eles um dia
Para além da alegria
Tirar-lhe também o coração.
Do filme, visto há muito, já não recordo nada. Isto significa que antes do coração já me tiraram a memória. Parece que perder a memória é um passo prévio a perder o coração.
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