Hoje foi o dia em que estive
mais perto da areia. Passei pela travessia que divide duas praias com o mesmo
nome, mas que se distinguem por que uma é do Norte e a outra do Sul. O caminho
aliás é duplo, um para carros, em alcatrão, e outro para peões, em cimento.
Passei por ali como peão e fui sentar-me numa esplanada voltada para a praia do
Norte, onde, outrora, passeava e mergulhava nas águas frias do Atlântico.
Estava um dia espantoso, com um enorme nevoeiro que mal se via o mar. Havia
pessoas deitadas na areia a apanhar banhos de névoa. Esta, com o passar dos
minutos, ia ficando mais densa. Do mar veio o barulho de uma sirene ou qualquer
coisa do género. Pensei que seria o barco que traria D. Sebastião. Se ele
vinha, não desembarcou. Penso, porém, que qualquer rei encoberto, mesmo quando
chega a algum sítio, nunca perde essa característica e, por mais que se
manifeste, nunca deixa de estar oculto. Este texto, em particular este último período,
é a minha contribuição teórica para o desenvolvimento do sebastianismo em
Portugal, talvez a mais importante de Fernando Pessoa para cá, ou mesmo desde
antes dele. É plausível, penso agora, que o nevoeiro seja uma forma de me
contrariar, quando penso que o Verão se vai prolongar por dentro do Outono. Será,
antes, o contrário, uma invasão outonal na terra do Estio. O jovem Werther reforça
esta intuição, pois de uma intuição se trata. Diz ele, a 4 de Setembro, apesar
de estarmos a um: Tal como a natureza se encaminha para o Outono, também
dentro de mim e em meu redor faz-se Outono. As minhas folhas amareleceram e as
folhas das árvores vizinhas já caíram. Ele, tão jovem, parece-me muito
impressionável, mas, é preciso não o esquecer, está apaixonado e sofre, uma
coisa que, em naturezas delicadas e submissas às impressões, pode acabar em
suicídio, embora eu não seja psicólogo para o asseverar. Quanto à areia,
consegui não lhe tocar. Na esplanada, estava um casal alemão, mas não me
constou que fosse Werther, agora menos jovem, e a sua amada Lotte. Ele talvez fosse o encoberto, quem sabe?
Existem pessoas que aparentemente constroem e pessoas que aparentemente pensam. Ambos os produtos podem aparentemente deslaçar.
ResponderEliminarO mais plausível é que entre produto e pensamento exista um laço frouxo, o que permitirá a ambos uma certa liberdade.
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EliminarMas, aparentemente, temos um bolo estragado. Ora, em certa perspectiva, a dos meus irmãos, um bolo estragado era um bolo para comer à colherada. Thanks God.
Esse, o bolo, deslassou, o pobre, mas ficou apto para ser consumido à colher, claro.
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