Numa conferência, La vision du monde donnée par le roman, Hermann Broch, a certa altura, para exemplificar um tipo de arte preocupada em produzir um qualquer fogo-de-artifício, diz: Je choisis Zola, car personne n’osera prétendre que Zola ait écrit des romans pour midinettes. Apesar de Zola ter escrito romances para produzir fogo-de-artifício, isto é, para vender uma certa ideia, Broch exemplifica, não chegou a cair nesse abismo de onde não há regresso, escrever para midinettes. O que terão feito estas pobres raparigas para que seja negativo um escritor importante fazer romances para elas? A palavra resulta de uma aglutinação de midi + dînette. Literalmente, significa que janta ao meio-dia, isto é, que toma uma refeição àquela hora. Quem o fazia, em Paris, no tempo de Zola, eram as costureirinhas. São elas as midinettes, referidas por Broch. Nelas se consuma a sentimentalidade ingénua e a simplicidade frívola. Todo essa gente que ganhava a vida costurando para que outros andassem vestidos, estava à partida excluído da grande arte, mesmo quando não era assim tão grande ou não era mesmo arte. Contudo, o primeiro nome que refere o escritor austríaco é o de Hedwig Courths-Mahler, uma escritora alemã que escreveu mais de 200 romances de amor, na primeira metade do século XX, que por certo fariam o encanto das descendentes sociais das costureirinhas parisienses. Podemos imaginar que os romances da senhora Courths-Mahler tocariam a sentimentalidade ingénua e a simplicidade frívola de qualquer costureirinha. A vida da autora, porém, está longe de ter sido cor-de-rosa e é possível que tenha sido pouco dada a frivolidades e ingenuidades. Quando se julga que a grande arte resulta de vidas ricas e duras, é possível que se esteja errado. O mais plausível é que entre arte e vida exista um claro divórcio, e só por uma ingénua e frívola concepção de arte se pensa que esta tem a sua causa eficiente no que foi vivido pelo artista.
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