quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Metamorfoses

No pouco que vejo de televisão, consegui encontrar dois equívocos fonéticos cujas consequências só se explicam a partir das metamorfoses descritas por Ovídio. A coisa conta-se em poucas palavras. Num caso, um homem é transformado numa cidade; no segundo, outro homem, com uma casa ilustre, é transformado em marca de atum, senão mesmo em atum. Páris, aquele que ofereceu o pomo da discórdia, raptou Helena, enfureceu os gregos e desencadeou a guerra de Tróia, foi tomado por Paris, a velha capital francesa, que, no tempo de Alexandre, o outro nome de Páris, ainda não existia. Talvez a troca fonética, neste caso, faça ainda parte do castigo imposto por uma das deusas preteridas pelo dito Páris, talvez Atena, talvez Hera, quando decidiu entregar a maçã dourada a Afrodite, o que significava que a escolhera como a mais bela das três. Um homem avisado não se meteria nessas alhadas e, caso fosse coagido, adiaria o julgamento até que o caso prescrevesse. A outra situação de dissonância fonética está ligada a uma festa fúnebre, a trasladação dos restos mortais de Eça de Queirós para o Panteão Nacional. Alguém, ao elencar as  obras do escritor, lembrou-se de referir a Ilustre Casa de Ramirez. Nem a casa, nem o Ramires fizeram mal algum merecedor da metamorfose. O caso explica-se pelo apetite da locutora. Enquanto lia a lista, deu-lhe a fome e pensou numa sandes de atum. Do atum passou, por metonímia, para Ramirez, marca que ela usa no lar, e uma casa ilustre torna-se parte de um plano para montar um negócio de sandes. A locução nas televisões tornou-se, quando se trata da língua portuguesa, num dos lugares mais criativos. E ainda há quem fale na televisão como um dispositivo de alienação.

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