quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Cultivar lugares-comuns

Nota-se bem que os dias estão maiores. A melhor coisa é começar com um lugar-comum, na ausência de uma ideia rutilante e inovadora. Os lugares-comuns, ao contrário do que se pensa, são coisas interessantes e estão longe de serem aquilo de que são acusados. Têm, diz-se, um odor sulfuroso a falta de originalidade, superficialidade e conformismo. Ora, um lugar-comum é um sítio onde entramos em comunidade. Dizer lugares-comuns é incentivar a comunhão, evitando a excentricidade de querer parecer original. As próprias originalidades só o são num contexto comum, num oceano repleto de lugares-comuns. Mesmo a sua superficialidade é aparente, pois uma superfície pode ser apenas a face visível daquilo que é profundo. Se tivesse talento para tal, faria do lugar-comum uma arte. E aqui devíamos considerar a distinção entre arte autêntica e arte degenerada. A arte degenerada é aquela que apresenta, através dos retorcidos da originalidade, aquilo que é o mais banal dos lugares-comuns. A arte autêntica é a que mostra como um lugar-comum o que é absolutamente original. Para esta arte falta-me o talento, que talvez me sobre para a outra. Independentemente destas considerações, a verdade é que os dias estão maiores e vão continuar a crescer até que, após um instante de pausa, comecem a diminuir. E nisto está a tragédia humana – ou a comédia. Mergulhados num mundo cíclico, uma promessa de eterno retorno, somos seres lineares, onde o fim não coincide com o princípio. Isto também é um lugar-comum, pois é fado que partilhamos com todos.

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