quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Os dados estão lançados

Nunca tinha lido. Aliás, não sabia nada do conteúdo, mas tinha a referência da obra há décadas. Refiro-me a Os Dados Estão Lançados(Les jeux sont faits), de Jean-Paul Sartre. Escrito como guião para um filme, em 1943, foi publicado em 1947. Comecei a ler na mais pura inocência, como um leitor ingénuo, sem saber o que ia encontrar pela frente. A certa altura, tenho uma iluminação. Trata-se de uma actualização, marcada pela filosofia do autor, do velho mito grego de Orfeu. Identificada a matriz geradora da obra, sabe-se o destino dos protagonistas e o desenlace da trama narrativa: um Orfeu perderá uma Eurídice. Contudo, há qualquer coisa que mantém a curiosidade na obra. Queremos saber como é que Orfeu e Eurídice se perderão um do outro. É esse o ponto que congrega a atenção do leitor, aquilo que o leva a suspender a descrença na ficção que está a ler e lhe permite avançar na leitura. Se há, nesta vida, uma coisa corrente, essa é um Orfeu e uma Eurídice perderem-se um do outro. Uns perdem-se porque nunca se chegam a encontrar, outros encontram-se, mas cansam-se. Haverá outros que será a morte que raptará um para o frio Hades, deixando o outro por cá. Sempre que se trata do amor de um homem e de uma mulher, as personagens arquetípicas são as do velho mito helénico. O destino de todos os amantes é, mais tarde ou mais cedo, perderem-se um do outro. Os dados estão lançados, efectivamente. Não pelas razões que Sartre congeminou na sua interpretação do mito, mas por uma coisa bem mais simples: a finitude humana.

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