Um sábado provinciano e sem história, o que não deixa de ser uma óptima notícia, pois sempre que a história se intromete, podemos esperar o pior. A grande megera nunca se contenta com o mero passar do tempo. Exige sempre pesados tributos e grandes holocaustos, mesmo quando se trata da pequena história de sítios sem importância ou da história privada, que não é uma história, mas uma colecção de memórias que o tempo há-de diluir na água turva dos anos. Sem história, fui, depois de almoço, comprar laranjas a uma aldeia, onde as vendem à beira da estrada. Os carros param, as pessoas saem deles, dirigem-se às bancas. Ali estabelece-se um diálogo frutuoso, pois os que saíram dos carros a eles voltam carregados de fruta. Do ponto de vista económico, talvez seja um mau negócio, para quem se desloca propositadamente, pois ao preço da laranja, não muito diferente do das superfícies comerciais, há que juntar o preço da gasolina. Ganha-se no sabor e no prazer de animar uma economia local, que não será muito diferente do que era há cinquenta anos. Na verdade, ir comprar laranjas é uma luta contra a história, uma guerra contra o tempo, uma montaria para caçar o passado. Este, porém, astuto e vivaço, nunca se deixa apanhar, empurrando-nos sempre para a frente, como se o presente estivesse num declive escorregadio e nunca se cansasse de se deslocar. Contudo, é nestes afazeres do quotidiano que como um autêntico ser para a morte, como disse Heidegger, me alieno na quotidianidade, talvez com esperança de que, por um passe de mágica, a história seja abolida e a minha finitude seja transmutada em eternidade. Coisa em que não acredito, mas que considero, como considero tantas outras coisas que não merecem consideração. Aliás, não passo de um considerador viciado em coisas que não merecem consideração.
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