quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Ignorância ignorante

Começo com uma citação: Na falta de saber, escrevo. Isto não foi pensado por mim, mas aplica-se-me completamente. É a ignorância – uma ignorância que, ao contrário da de Sócrates ou da de Nicolau de Cusa, não é douta – que me motiva para ir escrevendo estes textos. Caso tivesse alguma sabedoria, teria vergonha deles e agiria em conformidade: não os escreveria. Como se sabe, a ignorância ignorante é atrevida. Transcrevi o pensamento de um outro, embora esse outro não se saiba bem quem é. O texto onde a frase está escrita é atribuído a Bernardo Soares, talvez também possa ser imputado a Vicente Guedes. O autor, porém, é Fernando Pessoa, mas suspeito que ele tinha vergonha dos seus textos e os atribuía a personagens que inventava ou que lhe eram reveladas em sonhos. A frase citada pertence a um fragmento que se inicia em tom polémico: A metafísica pareceu-me sempre uma forma prolongada da loucura latente. A polémica não nascerá da associação entre metafísica e loucura. Reside noutro lado. Será que a metafísica é uma forma de loucura latente ou, na verdade, uma forma de loucura manifesta? Essa loucura seria latente se os metafísicos fossem mudos e não escrevessem, mas logo que falam e dão à estampa as suas obras, não é possível objectar à natureza manifesta da loucura que é a essência da metafísica. Tudo isto tem um triste corolário. Além de loucos, os metafísicos, ao escreverem, são ignorantes. Como a minha metafísica está ao nível daquela que é dita como única por Álvaro de Campos, a de comer chocolates, só partilho com os metafísicos a ignorância, deixando a loucura só para eles. Eu, ao comer chocolates e escrever frivolidades, sou são, inteiramente sadio e saudável, de espírito.

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