Todas histórias, quero dizer narrativas como romances, contos ou novelas, têm um começo. Também terão um fim, mas não é esse que me interessa. Pelo menos, por agora. Vejamos as primeiras linhas das obras que, por desvario, comprei hoje. A Fuga Sem Fim, de Joseph Roth, diz: Franz Tunda, primeiro-tenente, do exército austríaco, foi feito prisioneiro de guerra pelos russos em agosto de 1916. Já A Trégua, de Mario Benedetti, abre-se com: Só me faltam seis meses e vinte e oito dias para me poder reformar. Por fim, Sem Destino, de Imre Kertész, tem o seguinte começo: Hoje, não fui à escola. Isto é, fui, mas só para pedir ao director de turma que me deixasse voltar para casa. Terão estes inícios literários alguma coisa comum? Na verdade, inscrevem-se num horizonte que os une. Num caso, alguém perda a liberdade ao tornar-se prisioneiro de guerra. Num outro, a personagem liberta-se da sala de aula. No terceiro caso, o segundo narrado, outra personagem ainda está presa ao trabalho, mas conta os dias em que a reforma o libertará. Em todos eles o que está em jogo é a liberdade. Não se trata aqui nem da liberdade metafísica, a que se dá o nome de livre-arbítrio, nem da liberdade política de poder intervir nos destinos da comunidade, mas de uma liberdade a que chamaria liberdade de ir e vir. Esta talvez seja a forma de liberdade mais importante para cada um e a mais ameaçadora para o grupo social e as instituições que dão corpo a esse grupo. Aquele que tem a liberdade de ir e vir torna-se imprevisível. Pode estar e não estar. Chega, subitamente; parte, se lhe apetece. Quando se pensa sobre o romance moderno, pensamos sobre o quê? Talvez o essencial desse romance se concentre nessa liberdade de ir e vir, isto é, na luta contra aquilo que a anula, como a prisão, o trabalho ou a escola, ou no combate pela libertação, pelo direito de se ser vagabundo sem que nada interfira nesse ir e vir.
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