domingo, 19 de janeiro de 2025

Adormecer o coração

Um domingo tão triste que o céu parece chorar. Pela amostra, torna-se evidente que não há coisa mais fácil de escrever do que frases kitsch. Contudo, há dias em que mesmo um narrador sisudo se entrega nas mãos da superficialidade, banhado por um sentimentalismo fétido, pronto para agradar ao gosto mais comum. É evidente que, caso queira adormecer o coração, pode argumentar que tudo é uma questão de gosto. Uns gostam de uma coisa, outros de outra, mas que, no fundo, tudo se equivale. Esta equivalência universal é ao mesmo tempo falsa e verdadeira. Falsa porque aquilo que é mais difícil e mais exigente é mais valioso, independentemente do preço de mercado. Verdadeira porque são coisas humanas, e todas as coisas humanas se equivalem na morte. Morta a humanidade – e um dia ela desaparecerá – as suas diferenças serão tão importantes para o universo como são para nós as diferenças entre dois grãos de areia numa praia. Há um momento na vida em que acalentamos esperanças inauditas sobre a humanidade. Um dia, pensa-se, todos quererão o mais difícil e o mais exigente. Como se é ingénuo ao pensar que pode haver uma democratização do que é, por essência, aristocrático. Depois, descobre-se que a única verdade definitiva reside na igualização de tudo no oceano aplanador da morte. Dos indivíduos ou da espécie. Com uma tarde assim, é possível que D. Sebastião chegue amanhã de manhã.

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