sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Um dia gasoso

Os dias continuam no estado gasoso. Evaporam-se, como descobri aqui no outro dia. A meio da manhã saí da cidade onde me acolho e fui almoçar com as minhas netas a Campo de Ourique, num pequeno restaurante no Jardim da Parada. Antes de ser restaurante, era um café, onde ia uma vez por outra. Elas estavam cansadas. Uma semana de aulas deixam os alunos exaustos ou, talvez, estejam já consumidos antes de as aulas começarem. Um almoço sem conversas escolares, para animar os espíritos e deixar o spleen adolescente a pairar ao longe. Depois, as horas passaram, a noite, como um exército determinado, fez ressoar as suas botas cardadas e tomou de assalto a fortaleza do dia, um dia triste, com uma atmosfera húmida, carregado de cinza. Passei por uma livraria e comprei a tradução portuguesa, saída em Agosto do ano passado, do Parménides, de Platão. Além do diálogo, o livro tem ainda as Cartas. Ora, é o começo da carta oitava que tem potencial para deixar o leitor perplexo: Farei o possível por vos elucidar acerca dos vossos próprios sentimentos, a fim de que se vos torne deste modo possível levar uma vida perfeita e feliz. Imagino que seja necessário possuir uma enorme presunção para pretender elucidar alguém dos seus próprios sentimentos. E não bastando isso, supor que tal elucidação possibilitará ao elucidado levar uma vida não apenas perfeita, mas também feliz. Se Platão tinha esta pretensão de psicoterapeuta, não admira que, com o desenrolar dos séculos, os elucidadores de sentimentos e agentes da perfeição e felicidade alheias se tenham tornado legião. Pena é que Platão não tenha seguido a sabedoria do seu mestre Sócrates e declarado que sobre os sentimentos dos outros – e mesmo dos próprios – só sabe que nada sabe. Teria sido um grande contributo para a humanidade.

Sem comentários:

Enviar um comentário