segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

A mudez dos deuses

Outrora, os deuses falavam através das folhas dos carvalhos batidas pelo vento suave vindo do mar. Lembrei-me disso ao olhar o sol entristecido que desliza dos céus. Fevereiro nasceu vociferando grandes chuvadas, mas já se arrependeu. Uma mãe apressada, ajoujada ao peso de uma mala, conduz a filha praceta fora, entra para um prédio, fechando sem violência a porta. Silêncio. A solidão do mundo desdobra-se sobre aquele lugar, onde dois pombos poisam, para logo levantarem voo e perderem-se num telhado que não vejo. A vida é sempre um exercício de mutilação. A cada instante, a faca de lâmina afiada corta uma invisível fatia, para que a jactância humana seja reduzida ao que é, a nada. O pior, penso, é a mudez dos deuses. Ou então sou eu que não sei escutá-los quando murmuram no folhedo das árvores.