Outrora, os deuses falavam através das folhas dos carvalhos
batidas pelo vento suave vindo do mar. Lembrei-me disso ao olhar o sol
entristecido que desliza dos céus. Fevereiro nasceu vociferando grandes
chuvadas, mas já se arrependeu. Uma mãe apressada, ajoujada ao peso de uma mala,
conduz a filha praceta fora, entra para um prédio, fechando sem violência a
porta. Silêncio. A solidão do mundo desdobra-se sobre aquele lugar, onde dois
pombos poisam, para logo levantarem voo e perderem-se num telhado que não vejo.
A vida é sempre um exercício de mutilação. A cada instante, a faca de lâmina
afiada corta uma invisível fatia, para que a jactância humana seja reduzida ao
que é, a nada. O pior, penso, é a mudez dos deuses. Ou então sou eu que não sei
escutá-los quando murmuram no folhedo das árvores.