Tenho de ir à farmácia, penso olhando para a rugosidade parda
da avenida, sob um céu indeciso, que não sabe se há-de ou não enviar uma
chuvada bíblica sobre a terra. Preciso de um daqueles medicamentos que fazem a
vez da vesícula. É o que dá andar por aí a perder órgãos, diz-me o anjo negro,
enquanto ri não sem uma ponta de escárnio. Não, responde com ar contrito o anjo
branco, é o que dá o pecado mortal da gula. Como os homens, também os anjos
nunca se põem de acordo seja sobre o que for, e eu, pobre mortal, não sei se a
culpa de tudo isto foi da fraca qualidade da vesícula que me coube ou se da
minha propensão para ceder às tentações. A verdade é que tenho mesmo de sair e
deixar-me de considerações teológicas. O domingo é o dia do Senhor e não dos
teólogos, acho eu, mas não tenho bem a certeza.