Devo ter dormido mal, pois o dia parece-me taciturno, o
exercício de uma longa hesitação, como aquelas em que caiem os pais perante a pilhéria inadvertida de um
filho. Não sabem se devem rir ou pôr uma máscara carrancuda, das que anunciam o
fim do mundo. Será que ainda há pais profetas ou converteram-se todos à terapia pelo riso? Devo ter coisas para fazer mais urgentes que não fazer nada ou pensar
nas idiotices que me ocorrem, mas hoje é domingo. Passo os olhos pelos jornais
e bocejo. Também o céu boceja ensonado e tem sobre mim a vantagem de não poder
consultar a comunicação social. Uma mulher sentada à mesa de um café ergue,
circunspecta e levemente nauseada, os olhos para as nuvens. Apoia o queixo numa
das mãos. A outra desliza sobre o vestido e deixa ver os dedos sem anéis. O que
pensará ela? Talvez não pense. Uma criança fala para o pai, que a olha
embevecido, enquanto lhe exibe uma bola. De súbito, lembrei-me dos almoços de
domingo na infância, mas afasto com denodo a imagem herética. Deixemos o
passado dormir e não o confundamos com um analgésico sem prazo de validade.