Cheguei àquela fase em que arrumo as coisas nos sítios mais
improváveis. Talvez o destino dos seres humanos seja esse, fomentar improbabilidades
até que eles próprios se tornem improváveis e sejam varridos para o
esquecimento. Eu sei que este pensamento é soturno, mas nem sempre o brilho do
sol vespertino é suficiente para ofuscar o fardo da sombra. Num dos apartamentos
contíguos, alguém está apostado em furar a parede. O barulho da broca fende o
silêncio e zune-me dentro da cabeça. O mundo nunca é como nós o queremos,
constato não sem que me aproxime de alguma heresia. E enquanto vou escrevendo
estas coisas reparo que, mais do que é hábito, estou a trocar as letras ao
formar palavras. Trocas e heresias é tudo o que tenho. Há quem venda certezas,
outros mercadejam indignações, a mim, que sou cada vez mais improvável,
restam-me enganos. Podia ser pior.