Sento-me na plateia e olho um palco coberto de vociferações.
Habitar o mundo é um ofício que exige uma infinita paciência. O Inverno vai a
meio, constato, mas há momentos que já trazem o odor melado da Primavera. Eu
sei, pois há muito que estou sentado no mesmo sítio, que se exulta com os
eflúvios desses dias em que a natureza há-de florescer, entre o orvalho das
manhãs e o zumbir dos insectos, para que os corações amoleçam e os instintos se
disfarcem no fervor de uma écloga. Por falar em pastores, o mau gosto é um lobo
que nunca deixa de rondar os rebanhos. O vento insiste, com as suas artes
rasteiras, em precipitar-se contra a minha janela. O vidro reluta e apenas
deixa entrar a cinza da tristeza que se desprende da paisagem. Ao longe, voam
dois corvos mas não os oiço crocitar. O fim-de-semana começa viscoso,
esburacado e, como eu, sem promessas para o dia de amanhã.