Uma das árvores perto de casa tem uma longa cicatriz.
Imagino a fenda que lhe deu origem, a seiva a deslizar vagarosa,
quase hesitante, pelo tronco, para se ocultar no interior húmido da terra. Depois,
o trabalho da natureza para cerzir o rasgão e a marca da imperfeição que ali
está, eterna e transitória, perante os meus olhos. Como as árvores, também os
homens, pensei então, têm as suas cicatrizes. Umas nasceram de feridas que
sangraram, outras nem tanto. Pergunto-me se terá cicatrizes a mulher que mora
no prédio da frente e que todos os dias vejo, solitária e inquieta, a correr
para o carro. Pior são as cicatrizes invisíveis, aquelas que costuram o lençol
rasgado da alma. Se tivessem sangrado não passariam agora de um leve risco
incerto na superfície da pele. As pessoas sentam-se na esplanada e cultuam o
sol desmaiado do início da tarde. Talvez não tenham cicatrizes ou tenham
perdido a alma nalguma das rotundas que florescem por aí.
"Pior são as cicatrizes invisíveis, aquelas que costuram o lençol rasgado da alma."
ResponderEliminarSim, essas são as piores, ninguém sabe que as temos, ninguém nos pode ajudar a suportá-las. Às vezes, um bocadinho de sol, ainda que pálido, pode dar um certo conforto...
⚘
Maria
Talvez possa. Diz-se que o sol pode ter propriedades curativas. Quem sabe?
EliminarHV