domingo, 3 de fevereiro de 2019

Economia de mercado

Envelhecer é cair na folhagem obscura de uma floresta sem nome. Uma vez por outra sou assaltado por pensamentos destes, pensamentos em que, como em certas filosofias, não se pensa nada, o que é um grande alívio. Foi o que me aconteceu hoje, ao deslocar-me a uma aldeia onde, à beira da estrada, os donos dos pomares vendem laranjas. Há dez anos, nunca pensaria nisso, mas agora um patriotismo aldeão, atávico e  despido de interesse, estende-me armadilhas destas. O sol refulgia nas laranjas, os carros passavam mergulhados no domingo, e a vendedora, vinda de um tempo onde nem como promessa eu seria pensado, cerzia com cuidado o passado e o presente e oficiava, como sacerdotisa experiente e pura, os velhos rituais da compra e da venda, dessa troca que abre caminhos por dentro das mais obscuras e inomináveis florestas. E, enquanto regressava, barafustando com a Antena 2 pelo programa que se lembrara de pôr no ar, só para me irritar, constatei que não há nada como a economia de mercado.