Um acaso conduziu-me a uma reprodução de um fresco de
Pompeia. Uma bacante, ébria e aterrorizada, dança, enquanto outra, sentada e
impassível, amamenta do próprio seio um pequeno veado. Talvez o mundo, penso,
seja isso, um equilíbrio instável entre os que dançam e os que descansam, entre os
que vivem no terror e os que, mesmo na mais temível tempestade, permanecem imperturbáveis.
Desvio o olhar dessas figuras e vejo o céu azul e puro, sem uma nuvem que o desassossegue.
O sol brilha, mas a luz que banha as paredes dos prédios anuncia já o seu
declínio. Oiço, vindo de uma escola, o vozear com que a adolescência cobre a
sua perturbação. Talvez a bacante que dança se tenha sentado e a outra se
entregue agora ao furor do ritmo, alvitro e recolho o olhar para observar mais
uma vez o fresco. Tudo permanece como estava, como se a obstinação fosse uma
qualidade que o mundo, para repousar das metamorfoses, gostasse de preservar. Por
trás das bacantes, um sátiro toca flauta e no andar de cima ouve-se o rumor
mecânico e desalmado de um aspirador.