terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Obstinações

Um acaso conduziu-me a uma reprodução de um fresco de Pompeia. Uma bacante, ébria e aterrorizada, dança, enquanto outra, sentada e impassível, amamenta do próprio seio um pequeno veado. Talvez o mundo, penso, seja isso, um equilíbrio instável entre os que dançam e os que descansam, entre os que vivem no terror e os que, mesmo na mais temível tempestade, permanecem imperturbáveis. Desvio o olhar dessas figuras e vejo o céu azul e puro, sem uma nuvem que o desassossegue. O sol brilha, mas a luz que banha as paredes dos prédios anuncia já o seu declínio. Oiço, vindo de uma escola, o vozear com que a adolescência cobre a sua perturbação. Talvez a bacante que dança se tenha sentado e a outra se entregue agora ao furor do ritmo, alvitro e recolho o olhar para observar mais uma vez o fresco. Tudo permanece como estava, como se a obstinação fosse uma qualidade que o mundo, para repousar das metamorfoses, gostasse de preservar. Por trás das bacantes, um sátiro toca flauta e no andar de cima ouve-se o rumor mecânico e desalmado de um aspirador.