quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Garrulice

Nos dias como o de hoje penso que deveria ter entrado para um convento, numa daquelas ordens rigorosas, onde o silêncio impenetrável governa despótico. E isso consola-me, ou distrai-me, da tagarelice a que sou obrigado. Visto a partir da escuridão da noite o mundo é um artefacto estranho. Quanto menos tenho para dizer mais ele me obriga a falar. Então sou assaltado pelas imagens que um dia vi num filme sobre monges cartuxos. Logo faço do meu escritório uma cartuxa privada, mas amanhã lá terei de partilhar com os outros as minhas palavras, fingindo crer no que digo e que tenho alguma coisa para dizer. Pura mentira. Tivesse eu entrado no convento, o mundo não  teria perdido nada e a ordem estrita do silêncio impediria que eu contaminasse o lugar com a minha garrulice. O melhor é mesmo calar-me.

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