sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Imobilidade

Quando caminhava por um dos passeios da Sá Carneiro, não sem exagerada lentidão, os carros passavam afogueados, levados por um estranho desejo que nunca consigo decifrar. É possível que essa ânsia seja mais simples de explicar do que parece. Como as árvores aspiram a permanecer na imobilidade, também os homens só se sentem como tal num vaivém que sempre me parecerá incompreensível. Movimento e mobilização, eis a nossa época. Sentenciei presunçoso, enquanto olhava para algumas árvores, cujos ramos insistem em desmentir a proximidade da Primavera. Se eu fosse um deus misericordioso, alvitrei para mim mesmo, daria aos homens um pouco da imobilidade com que as árvores foram dotadas. Ganhariam raízes, seriam mais profundos, menos estouvados, elevariam os braços aos céus e o mundo haveria de ser um lugar mais frequentável. Não sou um deus e a misericórdia é uma virtude difícil, o melhor é apressar o passo e mobilizar-me, pois o dia, esse cruel tirano, espera ainda muito de mim.

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