Todos temos as nossas idiossincrasias que há que perdoar com
benevolência. Também eu tenho as minhas e, vistas pelos outros, talvez não
sejam poucas. Uma delas é a de não gostar de algumas palavras, de embirrar com
elas como se embirra com certas pessoas. Quando oiço coisas como “dá aí uma
dica” ou me oferecem seis dicas para ler mais, a dica põe-me de imediato de
sobreaviso e a olhar de esguelha. Sinto vontade de ranger os dentes e começar a
gritar por socorro. Contenho-me, claro, e não faço figuras tristes, penso
embora sem certeza. Trata-se de uma derivação regressiva de dicar, que provém
do latim dicāre (mostrar, proclamar). Quanto aos costados da palavrinha
ridícula, não há nada a apontar, mas irrita-me a sua utilização e, como em
muitas irritações humanas, não sei porquê. Talvez a tenha ouvido pela primeira
vez num dia de muito sol ou após uma noite mal dormida. Assim como não se
explicam os amores, medito ao ouvir, quase hipnotizado, uma peça minimalista de
Glass, também os ódios são inexplicáveis e não há dica que nos indique a sua
proveniência ou sequer a utilidade. O melhor é ouvir uma coisa menos
repetitiva, calar o Glass, ir apanhar ar e comprar tangerinas no Pafarrão para
levar às netas.
E tal como não se explicam os amores e os ódios, também não sabemos (eu, pelo menos, não sei) porque me dá tanto prazer ler certos textos, enquanto que outros só me provocam bocejos - afinal são todos escritos com o mesmo alfabeto...
ResponderEliminarIdem para a música: são sempre as mesmas sete notas. E o que se faz com elas pode ir do sublime até ao ridículo.
Bom, tudo isto para lhe dizer que vou continuar a vir aqui, deliciar-me com a sua forma de usar o alfabeto e com o seu sentido de humor.
⚘
Maria
Eu fico agradecido por essa continuidade. Muito obrigado.
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