segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Vou espirrar

Uma das acácias que ainda há poucos dias mostrava a folhagem de um verde exuberante deixa agora ver os primeiros assaltos do amarelo. Só a terceira resiste. Que não amareleçam as três ao mesmo tempo, elas que estão tão próximas, é um enigma ou, para ser mais exacto, a prova da minha ignorância acerca do mundo vegetal. Parece que me constipei. Entrego-me ao ritual dos espirros como quem está numa cerimónia religiosa. Devoto e compungido. Os dias continuam a encolher devorados pelas trevas da noite. É pena que já não temamos a possibilidade do Sol desaparecer e sintamos pleno júbilo no momento em que a luz vence as trevas e os dias vão-se tornando maiores. Havia grandeza no temor e no júbilo, como se o futuro nunca estivesse garantido e fosse preciso propiciar as forças ocultas para que elas não nos arrastassem sabe-se lá para onde. Isto, porém, sou eu a falar comigo, levado pela minha tentação de anacronismo, uma doença grave no dizer dos profetas do progresso e do futuro, os quais não sabem que o único futuro que nos espera é a morte. Não estou tétrico, mas acordei com pouca paciência para os anunciadores de futuros risonhos, frades pregadores da felicidade e comerciantes da auto-ajuda. Vou espirrar, o que vale é que tenho um lenço à mão.

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