sábado, 9 de novembro de 2019

Quantos-queres

Armada com o origami preso aos polegares e indicadores, a minha neta mais velha, apanhando-me distraído, perguntou-me quantos quer? Sete, respondi-lhe inconsciente das consequências, e ela lá manipulou o dispositivo de papel para trás e para frente de modo a que o número cabalístico se cumprisse. Que cor quer? Verde, repliquei incauto. Ela desdobra a maquineta e diz: feio, o avô é feio. É grave, pergunto-lhe. Não, mas o avô é lindo. Esta minha neta tem uma propensão indisfarçável para a correcção social. Eu agradeço-lhe, mais vale uma bela mentira do que sentir o estilete da verdade a sair-lhe da boca. Está uma tarde lacrimosa, batida pelo vento, propícia a um stabat mater. Levá-las a andar de bicicleta ou de hoverboard na rua está fora de causa, mas elas não se importam. Quem paga são as folhas A4, vítimas de uma súbita inclinação para o desenho. Daqui a pouco chega o outro neto, mas esse ainda não quer papel para dar vazão à veia artística, ocupado que está em consolidar os passos para poder explorar a casa e semear o chão com livros e CD. O sábado escorre em direcção à noite, para desaguar num domingo de inverno, imagino.

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