Armada com o origami
preso aos polegares e indicadores, a minha neta mais velha, apanhando-me
distraído, perguntou-me quantos quer? Sete, respondi-lhe inconsciente das
consequências, e ela lá manipulou o dispositivo de papel para trás e para
frente de modo a que o número cabalístico se cumprisse. Que cor quer? Verde, repliquei
incauto. Ela desdobra a maquineta e diz: feio, o avô é feio. É grave,
pergunto-lhe. Não, mas o avô é lindo. Esta minha neta tem uma propensão indisfarçável
para a correcção social. Eu agradeço-lhe, mais vale uma bela mentira do que
sentir o estilete da verdade a sair-lhe da boca. Está uma tarde lacrimosa, batida
pelo vento, propícia a um stabat mater.
Levá-las a andar de bicicleta ou de hoverboard na rua está fora de causa, mas
elas não se importam. Quem paga são as folhas A4, vítimas de uma súbita
inclinação para o desenho. Daqui a pouco chega o outro neto, mas esse ainda não
quer papel para dar vazão à veia artística, ocupado que está em consolidar os
passos para poder explorar a casa e semear o chão com livros e CD. O sábado
escorre em direcção à noite, para desaguar num domingo de inverno, imagino.
Sem comentários:
Enviar um comentário