Nos últimos anos não há Dia de Fiéis Defuntos que não me
recorde de um poema que se cantava na adolescência para fingir que se era
rebelde. Não me lembro do texto completo, mas apenas de alguns versos que ficaram
na memória como um refrão: Era dia de finados, / E os mortos muitos animados /
Lá andavam a dançar. / Tudo estava forrado a preto, / No centro havia um coreto
/ Feito dos ossos da testa. E o cântico continuava neste tom até que nos cansássemos
e, desconfio, nos reconciliássemos com a nossa natureza mortal. Estas
recordações não são um desrespeito aos que se foram, mas uma mensagem que
recebo de mim mesmo para que não me esqueça que mais do que rir da minha morte
devo rir-me de mim e das coisas que me atravancam a memória. Hoje já fui às
compras e, devido às inutilidades que me povoam o cérebro, esqueci-me de
algumas coisas que tinha de comprar. Valia mais ter feito uma lista do que andar
por aí a alvitrar sobre o que se passa num coreto forrado a preto.
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