sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Ser apócrifo

Entre o original que foi concebido e o que sou vai uma grande distância. Não passo de uma falsificação de mim mesmo, um exercício de apocrifia, como aqueles evangelhos onde Cristo se excede em actos e revelações mas que a Igreja nega-se a reconhecer. Estão lá coisas interessantes, a verdade, porém, está noutro lado. Como todas as pessoas, também gostava de ser o eu autêntico, mas chegado a sexta-feira à noite descubro que não passo de um apócrifo. Vieram os dias frios e isso consola-me. Imagino estar sentado à lareira, com um gato ao pé, a fumar cachimbo, enquanto o lume crepita e o tempo passa a caminho da Primavera. É o meu lado de contrafacção, aliás o único que tenho. A casa não tem lareira, eu não tenho gato nem fumo e o crepitar da lenha no lume não me comove. Quando era adolescente imaginava-me piloto de fórmula 1 e talvez essa tenha sido a única coisa em que me imaginei, embora por escasso tempo. Hoje conduzo resignado e não tenho paciência para saber de carros. Só espero não me enganar na via quando entro para uma auto-estrada. A vida não passa de um conjunto de foras-de-jogo e penaltis falhados.

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