Saí para ir buscar uns livros à lavandaria. Os tempos
modernos são assim. Encomendam-se livros online,
escolhe-se um sítio onde se podem ir buscar e vai-se lá levantá-los. Antes de
termos atingido este grau de modernidade, íamos aos correios e cumpríamos um
denso e complicado ritual até termos na mão aquilo que era nosso. Agora, neste
tempo em que tudo foi dessacralizado, pode-se fazê-lo na lavandaria ao lado de
casa, o que é uma vantagem muito grande. Ficamos certos de que os livros vêm
lavados e engomados, prontos a vestir. Também é verdade que já ninguém põe goma
na roupa, mas tenho uma certa inclinação para o anacronismo. Quando saí com a
encomenda debaixo do braço, a noite tinha caído e na rua havia já vestígios do
frio que a partir de amanhã há-de vir da serra para cair sobre os incautos
transeuntes. Pego nos livros, cheiro-os, sinto o aroma a asseado. Para ser
sincero, dois deles têm um papel reles e é possível que não aguentem muitas idas
à máquina de lavar. Quando o mundo começa a trocar as categorias, quando tudo
parece fora dos eixos, não sou eu que tenho a sorte maldita de ter de o endireitar. Não há nada como acabar com uma citação de Shakespeare e assim
encobrir a funda ignorância que me acomete.
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