No lugar onde me encontro neste momento chove de mansinho,
uma água hesitante, como se as nuvens se sentissem culpadas de molharem quem
passa, mas a culpa não fosse suficientemente forte para se conterem. É isto que
também se passa com as acções dos homens. Se eu fosse uma pessoa decente e
moderna diria acções dos homens e das mulheres, mas sou anacrónico, certo tipo
de decências passam-me ao lado e se cultivo a anáfora tento evitar a
redundância. Como as nuvens, também eu não consegui conter-me e deixei que o
fel impregnasse a malfadada prosa e me desviasse daquilo que queria dizer. As
más acções humanas nascem muitas vezes duma hesitação trazida por um sentimento
de culpa não suficientemente treinado e vigoroso. Uma boa educação deveria
começar por incrustar bem fundo na alma a disposição para a culpa. O autor
destas palavras, ao pô-las na minha boca, não tem qualquer consideração por
mim. Que Deus lhe perdoe. A chuva não pára, as pessoas passam alheadas, chapéu
aberto, e não tarda tenho de pôr-me a caminho. O que vale é que não me esqueci
do guarda-chuva.
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