Estava a ler uma pequena história que metia um mordomo e uma cozinheira. Histórias destas são sempre edificantes, mas não a vou contar, pois falta-me talento para pregador. O mais que posso desejar é que um e outro possam prosseguir tranquilos a vida dentro da história, que esta cresça e se torne primeiro numa novela e, depois, num grande romance. Aqui, porém, a realidade torna-se complexa e pode acontecer que o mordomo de passagem pela cozinha e ao ver a faca da cozinheira se sinta inclinado ou a matá-la, ao sentir-se traído pelo motorista, ou a suicidar-se, cansado de esperar o amor da proprietária da faca. Nessa altura o leitor fica confuso, pois não sabe se a faca pertence à cozinheira ou se é propriedade da duquesa para quem a cozinheira dá o melhor dos seus talentos. E uma nova perturbação é introduzida com esta última frase, pois não fica claro que talentos oferece à duquesa a sua cozinheira, pois esta pode ser pessoa de engenho e que sirva na cozinha e noutros lugares do palácio, que por pudor, não me atrevo a especificar. O mais certo, porém, é que o mordomo evite a cozinha, não veja a faca e à falta do objecto não se desencadeie nele a pulsão de morte, o que seria de lamentar. Sempre gostava de saber, por mórbida curiosidade, quem é que anda a dormir com quem e que relações há entre a duquesa e o pessoal que dela cuida, para poder extrair uma moral para história e vir aqui fazer grande pregação.
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