Por vezes, vejo num jornal ou numa revista a fotografia de
uma mulher e penso que poderia apaixonar-me por ela até que o coração se
desengonçasse e o peito rasgado oferecesse ao mundo o espectáculo do amor, pois
o mundo nunca o viu, a esse castelo derrubado pelo tempo, a essas ruínas onde
crescem ervas daninhas, as entranhas reviradas e o sangue seco e malcheiroso de
tudo o que é sentimento. Quando acordo, a fotografia lá está, espera o meu
olhar sem a súplica do meu amor. Olho-a e na legenda descubro que a beleza
daquela mulher feneceu há muito e o seu corpo foi devolvido à poeira de onde
veio. Depois procuro outro retrato da mesma mulher e ao descobri-lo vejo o amor
a desvanecer-se ali mesmo, na falta de coerência com que os fotógrafos manejam
a câmara, semeando ilusões e desenganos, apenas porque o tempo passou e lhes
falta o talento para apagar os vestígios do crime. É assim que o amor está
pendente do acaso e da pérfida desatenção do retratista. Não faço ideia por que
razão o autor me faz dizer estas coisas, pois o nosso contrato tinha uma
cláusula, escorada num direito a rescisão, que o impedia de me dar uma vida
privada ou fazer-me falar de coisas para as quais o meu ser não foi criado.
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