As persianas tamborilam nas calhas por onde correm, tocadas
pelo trote do vento, inquietas e temerosas de alguma tempestade que venha
tirá-las do sossego bonançoso em que vivem. Uma réstia de sol perfura o negro
das nuvens para desabar na humidade das paredes e reverberar, enchendo de luz o
campo de jogos e de esperança os jogadores que se batem com o ardor da sua
inocência culposa. O que escrevo é de tal modo exaltante que adormeci depois de
escrever a última frase, para acordar agora com uma dor no pescoço. Nem a mim o
meu verbo anima. Apesar das bolas continuarem a saltitar, a luz de há pouco
recolheu-se para que as paredes perdessem a reverberação que lhes dava alma e
embaciadas permanecessem na quietude que é a delas. Com um tema destes não
admira que adormeça de novo antes de dar por terminado este texto. Pessoas há
que têm muito para contar, as suas vidas são aventurosas e elas heroínas que
hão-de permanecer na memória dos vindouros, mas eu quanto mais vivo menos
tenho para dizer, apesar do palavrório que me ataca aqui ou ali. O mundo é
feito destas incongruências e se não é o mundo, sou eu. A palavra incongruência
brilhou dentro de mim e, por instantes, entrevejo a verdade do que sou. Tocaram
à campainha. Levanto-me e vou espreitar. Não era ninguém ou talvez fosse eu.
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