Todos os dias alteio mais um pouco o muro que me rodeia.
Fecho-me lentamente ao mundo, cubro com cimento as fendas na muralha,
certifico-me da qualidade do isolamento sonoro. Ainda não é perfeito, mas a
perfeição não é coisa que se consiga de um dia para o outro. Ponho-me a
imaginar que o que sou é apenas o resultado de um programa genético. Uma bela
desculpa para a minha falência, embora tenha o inconveniente de rasurar algum
pequeno mérito que possa, aqui ou ali, ter tido. A última coisa que quero neste
momento é uma meditação sobre o livre-arbítrio. Estava a falar do software que me faz ser o que sou e este
parece que me conduz a um inexorável isolamento. Nos dias em que estou de humor
benigno digo que deveria ter entrado para um convento, daqueles mais rigorosos,
para a trapa ou para a cartuxa. Riem-se do dislate e ninguém acredita. Eu
também não, mas lentamente vou construindo a minha cartuxa, limpando-a do incómodo
que a presença do mundo traz e entregando-me a um silêncio cada vez mais
espesso. Falta-me o talento para a oração e há no mundo algumas coisas que
ainda fazem cintilar os meus olhos, mas até isso pode ser um exagero. Há que
desconfiar de tudo, principalmente de mim mesmo.
É muito bom quando ainda há coisas no mundo que fazem cintilar os nossos olhos :)
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Maria
É verdade.
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