Por fim uma boa notícia. Depois de semanas a desafiar a
minha paciência, a balança cedeu uns hectogramas. Sublinhei alto o sucedido e
disse que a meditação transcendental e a recitação do mantra estavam a dar
efeito ou, alternativa mais científica, que o facto de ter mudado a pilha à
balança refreou o seu ímpeto para me vexar. Ouvi um gélido é verdade, esta
semana foi mais agitada e não jantámos um único dia fora de casa. O meu olhar
ficou parado no vazio. Este senso comum irrita-me. Ainda pensei retorquir sobre
a falta de elevação espiritual do comentário ou a pouca crença na ciência que
nele havia, mas calei-me, antes que a conversa derivasse sobre a necessidade de
fazer exercício para disfarçar a barriga. Este tema também me está a irritar e
parece que não tenho outro. Ora isso não é verdade. Temas não me faltam. Aliás
tenho mesmo uma lista de assuntos a tratar. O que acontece é que muitas vezes
não sei onde tenho a lista e outras esqueço-me dela. Na lista, para que não se
pense que estou a mentir, está como assunto o agastamento que a narradora de Os
Enamoramentos, de Javier Marías, me
está a causar. Estou farto da opinião da senhora, se é que ela pode entrar na
classe das senhoras. Este tema, o da classe das senhoras, é delicado e as
minhas opiniões poderiam ofender alguém. Uma sirene anuncia um paciente
a caminho do hospital. Eis uma matéria que não consta na minha
lista e, por isso, sobre ela não falo. Logo vem o meu neto. Espero que ele
queira falar comigo.
Pode ocorrer que um homem saiba falar pela voz de uma mulher mas quanto a mim é mesmo raro. Quase sempre os homens escritores usam a voz de uma mulher como eles julgam ou querem ouvi-la.
ResponderEliminar~CC~
Não é fácil colocar-se na pele da outra parte da humanidade. O enviesamento será sempre muito grande, mesmo que haja um grande desejo de fidelidade.
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