quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Sub specie aeternitatis

No facebook alguém, para sustentar uma certa posição sobre determinado assunto, coloca um link para uma entrevista dada ao Expresso por um especialista da matéria, a qual não vem ao caso. Como um cão segue uma pista, também eu sigo a ligação e ponho-me a ler, até que que começo a achar uma certa estranheza no conteúdo. Procuro a data e descubro que é de 2008. Não é a primeira nem a segunda vez que isto me acontece, mas hoje foi uma revelação. O tempo foi abolido. A eternidade desceu dos céus, digitalizou-se e passeia-se na terra. Não posso esconder que isso me perturbou um pouco. Cada um tem um estilo e o meu passa por cultivar um certo anacronismo. Se tudo agora é eterno, até o meu anacronismo se torna em sincronismo, que palavra desagradável esta, apesar do seu pedigree ser autêntico. Lá se vai o estilo perdido no magma da indiferenciação, foi a reacção que se desenhou na minha cabeça. Há pouco entrei num café, sentei-me e olhei à volta. Apenas duas mesas estavam ocupadas, cada uma por um homem a ler o jornal, ambos mais velhos que eu. Estavam empenhados na leitura, voltavam as páginas com uma certa ânsia. Suspeitei, não sem razão, que eles pudessem estar a ler jornais de 2008 ou mesmo de antes. Seja o que for o que estivessem a ler deve agora entender-se sub specie aeternitatis, que é uma forma pretensiosa de um anacrónico sem-abrigo dizer do ponto de vista da eternidade.

Sem comentários:

Enviar um comentário