Nunca deixo de admirar certas perfeições que existem no calendário, como acontece hoje, em que o sexto dia do mês corresponde à sexta-feira. Pequenas e infrutíferas coincidências alegram-me e fazem-me pensar que nem tudo no mundo estará assim tão mal. Se as coincidências ainda funcionam, não se perca a esperança. Chegado aqui, o pensamento turva-se-me, pois não sei qual haverá de ser o objecto dessa esperança. A tarde desce ronronante a calçada, apesar da chuva fria e da noite próxima que traz a escuridão sobre a terra. Da janela do meu escritório olho os campos ao longe. Estão verdes, mas na verdade não é essa a cor que vejo, mas um cinzento violáceo cada vez mais escuro, como se espalhasse, pela terra, uma imensa nódoa negra. Não param as mensagens no meu telemóvel. Trazem notícias sobre um mundo delirante, tecido de pequenos nadas que têm por finalidade empequenecer a realidade. Na Sá Carneiro, os carros passam com os seus fogaréus incendiados, enquanto nos passeios húmidos, as pessoas foram substituídas pela tristeza, que caminha invisível e, a cada passo, se expande para dentro dos olhos de quem observa. Nos bares, há luzes amarelas e mortiças, e, entre o folhedo de uma tília, diviso o círculo verde que me anuncia a farmácia. Estou aqui, penso, e não sei nada acerca do que vejo, nem do que está para lá da minha visão, como se tudo se me tivesse tornado incompreensível e insignificante.
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